HERDEIRAS DE BAMBAS DA PORTELA
Geisa Ketti, Eliane Duarte, Andrea Moreira, Mônica Trepte e Selma Candeia carregam sobrenomes que soam familiares para quem é do samba. Filhas dos compositores Zé Ketti, Mauro Duarte, Wilson Moreira, Casquinha (cujo nome de batismo era Otto Enrique Trepte) e Candeia, respectivamente, elas integram um grupo criado há dois anos com a missão de levar adiante o legado artístico dos pais.
Em comum, além de serem portelenses de carteirinha, todos eram amigos e parceiros musicais de Clara Nunes. Estes compositores serão representados pelas autodenominadas “Herdeiras do Samba” no último carro da Azul e branco de Oswaldo Cruz, que homenageia a mineira guerreira em seu desfile.
Batizado de “Altar do samba”, o carro faz uma referência ao samba “Portela na Avenida”, de 1981, composto por Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte. Os dois parceiros daquele que se tornou uma espécie de hino informal da escola, cantado inclusive no esquenta da Sapucaí, estão entre os maiores fornecedores de sucessos para Clara Nunes, a partir de meados dos anos 1970. Pelo menos um Eliane Duarte, filha de Mauro, viu nascer na sua casa, em Botafogo.
— Meu pai já chegou da rua cantarolando o que seria a melodia de “Lama”, que é só dele (Pelo curto tempo que você sumiu/Nota-se aparentemente que você subiu). Nessas ocasiões ele já entrava em casa fazendo sinal para ficarmos em silêncio e a gente entendia que era para não perder a concentração. Aí, se trancava no quarto com o gravador e concluía a composição — relatou a filha do compositor de pérolas do repertório da cantora, como “Menino Deus”e “Canto das três raças”, ambas com Paulo César Pinheiro.
Andreia Moreira, de 50 anos, filha de Wilson Moreira, morto em setembro, aos 81, ainda era uma adolescente quando Clara faleceu, em 1983, e diz guardar dela apenas uma vaga lembrança do carnaval de 1980, quando a Portela levou para a Avenida o enredo “Hoje tem marmelada”. Ela se recorda que nesse dia a cantora estava fantasiada de domadora.
— Meu pai era da ala de compositores e eu desfilei na de baianas mirins — relembra a filha do autor de “Candongueiro”, “Deixa Clarear”, “Coisas da Antiga” e “O mar serenou”.
Mônica Trepte, de 46, caçula do grupo e filha de Casquinha, de quem a artista gravou “Outro recado", também não tem muitas lembranças. Recorda-se apenas de ouvir o pai, morto em outubro, aos 95, contando que iria com a cantora para a casa de Candeia. Já Selma Candeia diz que Clara era tão próxima do autor de “Regresso”, “Último bloco” e “Morro do Sossego” que parecia da família.
— Ela não saía lá de casa. Parecia parente — diz Selma.
Zé Ketti foi único nunca gravado por Clara Nunes. O que não significa que não tivessem proximidade. Ambos eram figurinhas carimbadas nas Noitadas de Samba do Teatro Opinião, na década de 1970. Coube à sua filha Geisa Ketti reunir as herdeiras dos bambas:
— Nossa luta é pela preservação da cultura e história dos nossos pais, além de fortalecer a tradição do samba autêntico — defende a criadora do grupo, que fez uma de suas primeiras apresentações na final do concurso de samba de terreiro na quadra da Portela.
O quinto carro da escola, a terceira a entrar na Avenida nesta noite, homenageia a memória afetiva de Clara Nunes. Nele se reunião familiares, amigos e pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a manutenção do legado da artista.