A data comemorativa do dia 25 de dezembro nos traz não somente boas vibrações, como nos faz lembrar de uma das figuras mais emblemáticas do Carnaval e que leva o nome do dia de hoje: Natal, da Portela. Nesta segunda (25) especial, o SRzd traz relatos de personalidades que tiveram o privilégio de conviver com o portelense e contam o que viram do Natalino José do Nascimento, o famoso Natal da Portela.
“Ele era uma pessoa boa, mas rígida. Pela Portela, ele fazia qualquer negócio. Ele tinha amor à escola, se dedicava muito”, conta Tia Surica. Tal amor era fácil de explicar. Natal era filho de Napoleão José do Nascimento, um dos responsáveis pela fundação da Portela. ‘Seu’ Napoleão organizava festas religiosas em casa, que terminaram no samba e no nascimento da azul e branco de Madureira.
Ao honrar o legado do pai, Natal se tornou bicheiro e foi o primeiro do ramo a investir numa escola de samba. Fez surgir a figura do ‘patrono’, que se tornou muito comum anos depois. Nem mesmo o acidente que o levou à perda de um braço fez Natalino largar o Carnaval e a Portela.
“Acho que era covardia eu ter dois braços também”, afirmava Natal.
Ficou conhecido como o ‘homem de um braço só’. O compositor e torcedor da Portela, João Nogueira, compôs a música “Com um braço só” em homenagem a Natal: “Com um braço só/Eu comando na avenida/A minha Portela querida/E que me quer tanto bem”.
O estilo de roupa também era uma de suas marcas. Andava de chinelos e paletó de pjiama e se negava a vestir outro modelo no dia do desfile. Na única vez que convenceram Natal a desfilar de terno e sapato, a Portela perdeu e o mancha-chuva culpou a roupa pela resto da vida.
Apesar disso, perder era uma coisa que a Portela de Natal pouco fazia. Teve sua época de glórias com o patrono e conquistou um tetracampeonato entre 1956 e 1960. Ainda se tornou uma escola internacional, quando se apresentou no Palácio do Itamaraty para a duquesa de Kent em 1959 e recebeu a família real de Luxemburgo em sua quadra.
“Ele dizia muito palavrão, mas tinha um coração grande”, revela Surica
A ‘boca suja’ de Natal era famosa no mundo do samba. “Ele falava na cara, não mandava recado. ‘Sai Seu Cornélio! A porta da rua é a serventia da casa’. Ele botava pra fora mesmo (risos)”, lembrou a baluarte da Portela, que se tornou intérprete por culpa de Natal. “Em 1966, foi ele que me fez puxar o samba da Portela como intérprete. Eu tinha um carinho muito grande por ele e ele por mim”.
‘Seu Natal, como tá a Portela?’, aí ele respondeu: ‘Ta aí p****, não tá vendo?’
Tia Surica também contou ao SRzd uma das histórias mais engraçadas que viu de Natal durante um dos desfiles da Portela. “Ele ficava na frente da escola, mas ficava desorientado. Aí uma hora chegou a imprensa e perguntou: ‘Seu Natal, como tá a Portela?’, aí ele respondeu: ‘Ta aí p****, não tá vendo?’. Ele era assim (risos)”.
Outra grande marca do patrono, de acordo com Surica, era a habilidade em trocar as letras e falar de forma errada as palavras. “Ele chamava a Vilma (Nascimento) de ‘Ilma’, o Benício (mestre-sala na época) de ‘Donício’ e ai de quem corrigisse ele. Uma vez um repórter foi perguntar qual era o enredo da Portela e ele disse ‘Passarinho do Rei’, só que o nome certo era ‘Pasárgada, o amigo do rei’ (risos)”.
“Ele me fez porta-bandeira da Portela”, relembra Vilma Nascimento
A porta-bandeira Vilma Nascimento, apelidada posteriormente de ‘Cisne da Passarela’, teve a difícil missão de substituir a eterna Dodô na Portela. Tal fato ocorreu em 1957, graças à insistência de Natal.
“Eu era dançarina do ‘Night and Day’. Um dia, ele (Natal) foi apanhar a bandeira da Portela que tinham alugado para o Carlos Machado, numa apresentação nossa. Eu tava dançando e ele invadiu o palco, mas quando ele me viu, parou. Depois ele foi atrás de mim dizer que eu ia sair na Portela. Eu disse que não, que eu era União de Vaz Lobo”, lembrou Vilma Nascimento.
Dois anos depois, Vilma conheceu Mazinho, que viria a ser seu marido. O que a porta-bandeira não sabia é que seu namorado era filho de Natal, o mesmo que a tinha convidado para a Portela. “Depois que conheci os pais que eu vi que ele era Natal. Não sabia nada dele, não sabia que era banqueiro de bicho, nada”.
A porta-bandeira disse que, somente quando estava prestes a se casar com Mazinho, aceitou, depois de muito recusar, o convite de Natal. “Aí ele disse: ‘Agora que você vai casar, você vai ter que sair’. E eu não tive como recusar dessa vez”.
“Ele tirou um pneu da alegoria para esperar eu chegar”, conta o ‘Cisne da Passarela’
“Ele me tinha como filha, foi sogro, pai, foi muito bom pra mim. Era uma figura extraordinária, não podia ninguém fazer nada comigo que ele brigava”, afirmou a protegida de Natal, Vilma Nascimento. A proteção era tanta que ele foi capaz de sabotar um dos carros alegóricos para esperar a porta-bandeira chegar no desfile. O “Cisne da Passarela” revelou ao SRzd essa história inusitada.
“Quem me dava o dinheiro do material da fantasia era ele. A fantasia, minha família me ajudava a fazer. Mas, às vezes, ele me dava o dinheiro tarde. Aí eu custava a aprontar a roupa, mas não saía de casa antes de tudo estar perfeito. Um dia, ele atrasou o pagamento e eu fiquei o dia do desfile inteiro terminando a roupa. A águia da Portela já estava entrando e eu terminando de bordar o sapato. Quando acabou, eu nem tomei banho, me vesti e saí de casa”, lembrou Vilma.
Aí ele virou pra um cara e disse: ‘Bota a roda no carro que nós vamos entrar’
“No caminho, um repórter disse que um carro tinha quebrado e a escola tava parada. Aí eu pensei: ‘Graças a Deus, só assim chego a tempo’. Quando cheguei na concentração, ele gritou: ‘Ilma, você me bota maluco’. Aí eu respondi: ‘Da próxima vez, você me dá o dinheiro antes’. Aí ele virou pra um cara e disse: ‘Bota a roda no carro que nós vamos entrar’. Resumindo: não tinha nada quebrado, ele que parou o desfile pra me esperar (risos)”, explicou o ‘Cisne da Passarela’. (continua..)
Texto: SRZD