quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Paulo da PORTELA (70 anos de morte)

70 Anos da morte de PAULO DA PORTELA
(Marília Trindade)



Segue abaixo uma entrevista cedida por Alvaiade e publicada no encarte do disco "História das Escolas de Samba vol.2". Deliciem-se com esse precioso registro, onde o compositor fala de sua relação com a Portela, do grande Paulo da Portela e conta casos maravilhosos! Não há créditos ao entrevistador.

Desde quando você está metido em samba?

Alvaiade: Desde 1928. Naquela época, o Paulo da Portela morava na Estrada da Portela, 276, que era um correr de casas que tinha o apelido de Barra Preta. Eu morava na Rua B, em Oswaldo Cruz, e tinha um bloco carnavalesco por lá. E o Paulo me convidou para a Portela.

O seu bloco era grande?

Alvaiade: Pequeno. Éramos eu, o falecido Brasileiro, o Zé Cachacinha, o Alvarenga, um grupo pequeno. O Alvarenga já pertencia à Portela antes de mim.

Como é o seu nome, Alvaiade?

Alvaiade: Oswaldo dos Santos. Nasci a 21 de novembro de 1913, aqui na Estrada da Portela.

Quando você entrou pra Portela já era compositor?

Alvaiade: Não, eu acompanhava o pessoal, fazia um centro no cavaquinho, cantava, etc. Depois é que eu comecei a fazer música.

(Cristina Buarque e Velha Guarda da Portela cantam Vida de Rainha de Alvaiade e Monarco).

A primeira vez que você saiu na Portela já era pra desfilar na Praça Onze?

Alvaiade: Não. A primeira vez foi para participar de uma roda de samba em Bento Ribeiro, na casa do Paulo de Bento Ribeiro. Aliás, a razão do Paulo da Portela ganhar esse nome foi por causa do Paulo de Bento Ribeiro, que também era do samba.

Como é que o Paulo da Portela tratava os mais novos como você?

Alvaiade: O Paulo era uma figura humana fora de série. E muito observador. Eu era muito garoto naquela época e ele chegava até a me entregar certas responsabilidades dentro da escola, como a de substituí-lo de vez em quando, na sua ausência. Quando ele ia pra São Paulo, mais tarde, com o Cartola e o Heitor dos Prazeres, quem preparava a escola era eu, como chefe interino, além do Ventura e o Alcides, que eram os diretores de harmonia. Quando ele chegava era só pra comandar a escola.

Ele chegou até a apontar você como substituto dele, não foi?

Alvaiade: Foi. Ele sempre dizia aos visitantes que iam à Portela: “Esse é o pequeno que me substitui”. Aquilo me dava muito entusiasmo. Minha prova de fogo foi em 1934. Foi uma festa na Portela e recebemos a visita de uns doutores, coisa muito rara na época numa escola de samba. E fui eu quem recebeu o pessoal. Depois foi num batismo de uma escola de samba lá no Botija. Fui incluído na delegação da Portela, mas como um simples integrante. Quando saltamos do bonde, o Cláudio de Quintino me falou: “Olha alvaiade, o Paulo disse pra você fazer a cerimônia”. Aí, tomei as medidas. Formei a rapaziada, tiramos um samba quando chegamos, houve aquela troca de gentilezas, aquela coisa toda. Eu sei que fui bem, pois o Cláudio de Quintino me deu os parabéns depois.

O Paulo era um boa praça, mas era muito exigente também, não é isso? Principalmente com a roupa.

Alvaiade: É verdade. Ninguém podia se apresentar com chinelo charlote porque o Paulo não gostava. O pessoal do Estácio, por exemplo – e isso não é querer falar mal, mas falar a verdade – apresentava-se muito bem, com ternos caríssimos. Mas de chinelo charlote e lenço no pescoço. O pessoal da Portela não. A gente tinha que andar de sapato e gravata. O Paulo dizia assim: “Quero todo mundo com o pé ocupado e pescoço também”. Quer dizer: sapato e gravata. Por sorte, a nossa rapaziada quase não bebia. A gente era diferente das outras escolas.

Alvaiade e Manacéia (em pé)

Como é que foi a briga do Paulo com a Portela?

Alvaiade: Nessa época – foi no carnaval de 1940 – eu estava chefiando a escola no lugar do Paulo, que estava em São Paulo, com o Cartola e o Heitor dos Prazeres. Ele chegou na hora em que a escola estava formada pra desfilar na Praça Onze e queria que os companheiros dele desfilassem também. Mas o problema é que eles estavam com uma fantasia preta e branca e o pessoal da diretoria achou que não era direito. Se o Paulo quisesse desfilar, tudo bem. Mas seus companheiros é que não podiam.

Toda a diretoria pensava assim?

Alvaiade: Toda. Ainda dissemos pra ele que os companheiros dele podiam entrar na escola, mas só depois que passassem pela comissão julgadora. Chamamos o Manoel Bam Bam Bam e ele repetiu para o Paulo a mesma coisa. Aí o Paulo disse: “Se eles não podem entrar, eu também não entro”. O Manoel Bam Bam Bam levantou a corda – naquela época as escolas desfilavam com corda - e falou: “Então você não desfila, pode sair”. O Paulo saiu e nunca mais desfilou pela Portela.

Mas ele nem visitava a escola?

Alvaiade: Oito dias depois, a gente estava comemorando a vitória da Portela lá na sede. E o Paulo apareceu com o Pessoal da Mangueira. Me lembro que ele estava com o Cartola e o Chico Porrão. Ele estava esquisito, de um jeito que eu nunca tinha visto assim. Acho que tinha tomado umas e outras, que ele não era de beber. Eu sei que chegou na Portela, trepou na mesa e começou a fazer um discurso: “Vocês crianças, vocês ursos”, não sei o que, falando coisas que não eram do feitio dele. Até os parentes dele ficaram revoltados com a situação. Eu ainda pedi a palavra tentando contornar o problema, mas havia uma grande revolta. Saímos dalí e fomos para uma área, onde é hoje o botequim do Nozinho, irmão do Natal, e o Paulo puxou um samba da Mangueira: “Vou partir sem briga” e não sei o que mais. Eu aí, puxei um samba assim:

“Seja feliz com seu novo amor 
Porque eu vou procurar o meu bem estar 
Pode arranjar quem você quiser 
Só peço pra de mim esquecer, mulher”

É um samba do Mijinha, o autor de “Sentimento”, que o Paulinho da Viola gravou. Mas o ambiente não estava bom não. E o pessoal da Mangueira percebeu isso. Me lembro até que o Chico Porrão falou assim pra mim: “Alvaiade, eu não tenho um alfinete pra me defender”. Eu falei pra ele assim: “Não tem nada não, aqui você está como se estivesse em sua própria casa”. Mandei um componente da Portela ir até Madureira buscar um carro, mas naquela altura tinha gente a fim de pegar alguém, não sei se o Paulo ou o pessoal da Mangueira. Quando o carro chegou, botei a rapaziada lá dentro e fui em pé, no estribo, até lá fora protegendo eles. Na volta, veio uma porção de gente em cima de mim me espinafrar porque eu protegi o pessoal. O Paulo saiu e a Portela passou sete anos ganhando os desfiles na Praça Onze. Ele nunca se esqueceu da Portela. Muitas vezes, a gente ficava conversando em cima da ponte de Oswaldo Cruz e ele perguntando como é que ia o negócio, aquelas coisas. Ele estava na escola de samba Lira do Amor, mas não esquecia a nossa escola. No ano que ele ia voltar, morreu.

Você chamava o Paulo de você ou de senhor?

Alvaiade: Você mesmo. Era o Mano Paulo. Paulo da Portela

As escolas de samba tinham um contingente grande?

Alvaiade: Não. Houve um ano - não sei se 1931 ou 32, não me lembro - que aconteceu um negócio que nunca mais esqueci. Nós íamos descer pra desfilar na Praça Onze e fomos pegar o trem na estação de Dona Clara. O Rufino, que era o tesoureiro, pagou 90 passagens. E se queixou: “Meu Deus, isso não é mais uma escola de samba, é um rancho. Nunca vi tanta gente numa escola de samba”.

É verdade que no início eram homens que desfilavam de baianas?

Alvaiade: É. Nós não tínhamos baianas no início. Quem saía de baiana era o Claudionor, o Boaventura, o Manoel Bam Bam Bam, o Antônio Mestre Sala e outros. Era um grupo de homens que saía de baiana.

Não tinha mulher na Portela?

Alvaiade: Tinha. Não saíam de baiana. Quando a gente ia, por exemplo, a uma batalha de confete, o próprio Paulo ia de casa em casa pedir consentimento às famílias para levar suas moças com a escola. Depois entregava todas elas em suas casa. Éramos uma família.

Mas havia aquele negócio de que sambista era sinônimo de marginal.
Alvaiade: Havia. Inclusive falavam isso da Portela, que é uma escola da Planície. Mas conosco não havia problema.
___________________________________________________

Alvaiade, pseudônimo de Oswaldo dos Santos (Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1913 – Rio de Janeiro, 23 de junho de 1981) foi um compositor, sambista e cantor brasileiro.
Um dos nomes mais antigos e de maior destaque da Portela, integrou o conjunto da Velha Guarda da Portela nos últimos anos de sua vida, no qual tinha papel de líder.
Alvaiade entrou no samba em 1928, com um conjunto carnavalesco de Oswaldo Cruz em que tomavam parte os sambistas Alvarenga e Zé Cachacinha. Seria depois incorporado à Portela por intermédio de Paulo da Portela, fundador da escola. Paulo, mais tarde, viria a o considerar seu substituto. Responsável pelo lançamento de sambistas mais jovens como Manacéa, Chico Santana e Walter Rosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário