sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Natal da PORTELA (Líder Portelense)


Madureira foi o bairro onde ele se tornou figura das mais populares e fascinantes do Rio de Janeiro. Nesta cidade, poucos são aqueles que poderiam ostentar esta trajetória de sucesso para um homem negro pobre, que modificou sua vida, tendo como ponto de partida, sua autoridade, sua capacidade de enfrentar desafios e visão de mundo polivalente em ajudar os pobres e desvalidos.

Assim, em sua trajetória, Natal da Portela encarnou uma série de personagens apreendidos no cotidiano suburbano. Desse modo, era o valente, o bicheiro, o presidente da escola de samba, o generoso, o construtor, o prefeito, o poderoso, o homem do dinheiro, o vilão, entre outros papéis que desempenhou muito bem em Madureira.

Natal, devido à sua presença e postura se consagrou como uma figura mitológica na vida carioca. Negro, nascido pobre, passou fome, foi garanhão, pai de 25 filhos (19 morreram), dirigente de clube, sagaz e antenado com seu tempo. Ele perdeu o braço direito num acidente ferroviário quando ainda era rapaz e empregado da Rede Ferroviária Federal, que administrava, na época, o transporte por trens no Rio de Janeiro.

No entanto, a perda do braço não o imobilizou.

Pelo contrário.

Resistiu, vestiu-se de coragem e se tornou o mais respeitado personagem suburbano das últimas décadas, gritando e dando tiros quando necessário para manter sua lógica de compreensão dos conflitos do mundo.

Na época, falava-se que tinha sido alvo de mais 100 tiros. Dado pelos inimigos. Mas nunca atingiram o alvo. Por isso, diziam que ele tinha o corpo fechado. Enfrentou sozinho – e velho - valentes jovens, que pediam perdão a ele, ou jogavam as armas no chão ao serem questionados pela força/presença/personalidade de Natal. 

Ele conheceu, assim, a marginalidade bruta dos subúrbios com as palmas da mão. Sabia quem era quem e como era sua perigosa a sua atividade profissional. Assim, como banqueiro do jogo de bicho, em Madureira e bairros vizinhos,
construiu escolas, hospitais, financiou a edificação de barracos em favelas, pagou centenas de sepultamentos, criou e calçou dezenas de ruas, construiu caixas de água, ou seja, era uma espécie de civilizador autoritário nas regiões inóspitas suburbanas, segregadas e distante dos benefícios da ação pública. 

Ao mesmo tempo, era uma figura respeitadíssima no mundo ilegal suburbano, pois, para os moradores, ele não era vilão,mas um herói às avessas dos subúrbios, que as classes dominantes pensavam jamais existir. 

Este livro, de Araujo e Jório, se tornou clássico no assunto, pois, se constituiu num dos melhores flashes sobre Natal da Portela. Abaixo, reproduzimos algumas passagens deste livro a fim de que possam conhecer, em certo sentido, o pensamento de Natal da Portela e sua mitológica ação nos subúrbios do Rio de Janeiro: BRIGA COM O IMPÉRIO

“ Porra, já ganhei muitos carnavais em cima desses putos. Dá até para dar colher. Acontece que eu não gosto de perder, ora porra. Tô sempre querendo mais. Ganhei carnaval de toda a maneira. No legal e no roubo. Também já até perdi a conta do número de vezes que fui garfado. O que eu nunca fiz foi sair por aí me lamentando. Quando perdia, não botava a boca no trombone. Aguentava firme. Na primeira oportunidade, roubava também. Apelação, eu só fazia na hora. Aí eu brigava, pintava os canecos. Depois que eu via que não dava mais jeito, não ficava como meia dúzia de putos por aí, aporrinhando os outros. Meus negócios sempre foram muito bem feitos. Dava o golpe e quando percebiam já era tarde. Também eu estava sempre nos bastidores! Botava meus cachorrinhos lá, eles vinham me contar. Em 1964, soube que o Império Serrano ofereceu um Volks para ganhar o Carnaval. Dei a maior foda neles. Fui lá oferecei o Volks e o prêmio. O Império sempre ficou por baixo de nós, ora porra. Quando eles tiravam o 4º. lugar tinha até festa! Davam desfile e tudo! Eles têm que dar o braço a torcer a gente. Ganhamos sete carnavais seguidos e só não ganhamos o oitavo porque fiquei com medo de virar rancho. Vieram-me dizer que quem ganhasse oito vezes seguidas, deixava de ser Escola de Samba. Aí, eu botei o galho dentro. Fiquei cabreiro, deixei correr frouxo e um filho da puta qualquer ganhou.

CARNAVAL 1960

No Carnaval de 60, inventaram um tal de pontos negativos. Percebi logo que era pra prejudicar a Portela. E sabe por que? Porque tínhamos feito um grande desfile. Não tinha medo de perder para ninguém. Então os putos bolaram esta porra. Eu estava sabendo disso. O nosso pessoal, por fora, já até começava a comemorar a vitória. E eu dizendo: “Olhe pessoal. Nosso Carnaval dá pra ganhar de qualquer um, mas não vamos levar o caneco! Eles estão armando pra nos derrubar. E a merda toda são esses pontos negativos. Aí é que está a sacanagem! Então, eu fui para a apuração bolando o que eu podia fazer. Pensei, pensei e disse pros homens que estavam comigo: “nós vamos perder, mas eu vou dar um jeito”. Que jeito? Perguntaram. Aí, eu disse, que não podia dizer, mas que poderiam contar que eu iria virar a mesa. Eu tinha toda a certeza de que a Portela perdia por pontos negativos e ganhava o Salgueiro. Meus cachorrinhos tinham me confirmado. Ao invés de irem logo somando e tirando os pontos negativos, primeiro fizeram a apuração legal, dando o resultado. A Portela ganhou disparada. Passamos 8 pontos à frente deles.

FUNDADOR

“E não tem filho da puta nenhum que diga, na minha cara, que eu não fui fundador da Portela. Fui, botei meu dinheiro todo na escola, e quem não quiser acreditar que vá pra puta pariu”

DISCRIMINADO

Eu era muito levado sim, mas havia racismo nas escolas. Eu, negro, sempre levava a culpa em tudo que de errado acontecia. É claro que às vezes eu tinha culpa no cartório. Mas, muitas vezes, estava inocente. Se aparecia uma carteira riscada a professora logo dizia: Foi esse negrinho sujo. Me davam castigos. Me botavam de joelhos em cima de grãos de milho. Ou então levava coças de vara de marmelo. Eu me revoltava. Me defendia. Era expulso. Aí as professoras chamavam meu pai, inventavam uma porção de histórias e lá ia eu embora, sabendo muito bem o motivo,
que era de ter um preto a menos no colégio. Minha vaga era sempre ocupada por um branquinho

BISCATEIROS

Passei a viver de biscates, a vender o que conseguia: angu, peixe, farinha...qualquer porra. O dinherinho que conseguia, comprava comidapra mulher, pros filhos. Isto, quando não vinha o rapa e carregava tudo. Aí, eu ficava no desespero, sem ter nada para levar. É por isso que me sobe um ódio danado quando vejo uns filhos da puta tirando coisas que esses pobres diabos ficam vendendo nas ruas. Eu já senti na pele o drama deles. Teve uma vez que vi um bando de putos correndo atrás de um garoto pra lhe tirar sua mercadoria. Pô, fiquei louco. Perguntei se não tinham vergonha de tirar as coisas do garoto. Um pé-de-chinelo lá ainda quis botar uma questão.

- Seu Natal, nós estamos cumprindo a Lei!

- Então vão cumprir a lei de vocês na puta que pariu..

PAULO DA PORTELA

Enquanto o Paulo foi vivo, a Portela era ele. Coitado, morreu cedo.
Tuberculoso. No seu enterro tinha mais gente do que em dia de Fla-Flu na disputa do campeonato. Não se conseguia andar em Madureira quando corpo passou em direção ao cemitério. O Paulo morreu e eu resolvi me dedicar de corpo e alma a Portela. Eu já estava com dinheiro e não me importava de gastar. Já tinha minha banca em Madureira. Agora queria ver a minha escola bonita. Eu nem me importava de vestir a escola de cabo a rabo. Eu fazia isso por prazer. Em memória do Paulo. Por amor a Portela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário