terça-feira, 1 de março de 2022

PORTELA 1970 (Cláudio Vieira)

UM CLÁSSICO

QUE VIROU LENDA



Lendas e mistérios não são privilégios da Amazônia. O samba que levou a Portela ao título de 1970 e é considerado um dos mais bonitos de sua história, também carrega uma boa dose de folclore. Seus três autores: Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, o Catoni, e Waltenir. O trio venceu mais dois concursos de sambas-enredos na Águia: em 1967, com Tal dia é o batizado; e, em 1977, com Festa da Aclamação.

O taxista aposentado Dinckel Martins, o Jabolô, revela que, apesar das diversas regravações, jamais ganhou um centavo com o samba da Amazônia. “O que pingou, dei pro Catoni. Naquela época, ele estava em dificuldades.  Assinei uma procuração e deixei a minha parte pra ele. Se ajudou em alguma coisa, não sei” – comentava.

Jabolô não escondia que Catoni era o mais inspirado da parceria. Depois de receberem a sinopse do enredo criado por Clóvis Bornay e Arnaldo Pederneiras, os três compositores fizeram diversos encontros na residência do taxista, em Irajá. Outras aconteceram no bar Salada Tropical, em frente a estação de Madureira, e outras mais no Aero Willys com o qual Jabolô trabalhava na praça. “Dos três, a situação menos ruim era a minha; já que os dois parceiros estavam desempregados” – lembrava.

Nesta avenida colorida/
A Portela faz seu carnaval/
Lendas e mistérios da Amazônia/
Cantamos neste samba original/
Dizem que os astros se amaram/ 
E não puderam se casar/
A lua apaixonada chorou tanto/ 
Que do seu pranto nasceu o Rio-Mar…

Naquela época, não havia patrocinadores para financiar prospectos. Jabolô teve que fazer extras no volante para conseguir a verba dos panfletos: “Eu atravessava um qualquer para um amigo que trabalhava na gráfica da Prefeitura. Ele confeccionava os papéis lá dentro e, no final das contas, ficava bem barato. Rodou mais de 40 mil letras do samba...” – confessava sobre o apoio involuntário da municipalidade.

Catoni vivia mais em Jacarepaguá, onde morava, do que em Madureira. Fez do poeta Joaquim Domingues, também já falecido, o seu mentor. Joaquim era dono de uma funerária no Largo do Tanque. Nos fundos da loja, no silêncio dos caixões, recebia o discípulo para analisar os progressos de Lendas e Mistérios da Amazônia.

E dizem mais…/ 
Jaçanã/ 
Bela como uma flor/
Certa manhã viu ser proibido o seu amor/
Pois um valente guerreiro/
Por ela se apaixonou/ 
Foi sacrificado pela ira do Pajé/
E na Vitória-Régia/
Ela se transformou…

O jornalista Leo Montenegro (falecido em julho de 2003), criador da coluna O Avesso da Vida, em O Dia, testemunhou diversos encontros entre Catoni e Joaquim – que dedicava o seu talento aos sambas de empolgação para o bloco Bafo de Bode (que daria origem à Renascer), ali das redondezas. Leo era amigo dos dois sambistas e também residia em Jacarepaguá, na Freguesia.

Quando chegava a primavera/
A estação das flores/ 
Havia uma festa de amores/
Era a tradição das amazonas/
Mulheres guerreiras/
Aquele ambiente de alegria/
Terminava ao raiar do dia…

Num desses convescotes, regados a cerveja, é claro, o portelense Leo também teve a oportunidade de dar a sua contribuição. Conta que os autores estavam aflitos com um buraco que havia entre as primeira e segunda estrofes. O intervalo poderia gerar o atravessamento do samba. O jornalista, então, recorreu a um macete de redação, sugerindo que fizessem um encadeamento entre os dois períodos, usando a expressão “E dizem mais...” O intervalo foi preenchido sem que a poesia da letra perdesse a fluência. Era o toque que faltava.

Ô esquindô lá lá/ 
Ô esquindô lê lê/
Olha só quem vem lá/
É o saci pererê!

(Portela 1970 – a Tabajara do Samba - Lendas e Mistérios da Amazônia)

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