A Tal Mineira
Dei um aperto de saudade no meu tamborim. Se nessa vida tudo passa, ela não passou. Minha musa, minha lira, minha doce inspiração, minha morena enfeitada de rosas e rendas. Abre o pano do passado. Mostre que seu encanto é uma coisa natural, pois seu sorriso de moça tem um mistério que bate no coração da gente e tem o dom de encantar.
Vocês querem saber quem ela é? Ela é a tal mineira...
No Cedro Pequenino, tecido interior das Gerais, a noite emprestou as estrelas bordadas de prata. O céu prateado deixou o sol vir dourar os cabelos da aurora num lindo alvorecer. Raiou. Resplandeceu. Iluminou. As violas enfeitadas de fitas da Folia de Reis entoam cantos de alegria e liberdade para anunciar que a estrela-guia vai romper. Alguém no povo vai nascer.
Deixa clarear, seu Mané Serrador, que dona Amélia está sentindo a luz de um santo! Trovador errante do reisado. Talhador da esperança que aparece desse canto bonito vindo da alvorada. Faça de nossa bandeira, seu divino manto! De nossa coroa reluzente, todo ouro sobre o azul na procissão do samba!
O nosso tempo de chorar vai se acabar. A minha gente não vai mais andar falando de lado e olhando pro chão. Iluminando os caminhos tão sem vida, o anjo moreno há de chegar aos corações.
O povo até pensou que já era feliz. Pra todo mundo pareceu que um ser de luz nasceu.
Clara mensageira da música. Ela não é de brincadeira. É continuação do poder da criação. Seu canto tem força de oração. Missão que desafia o poder da ciência para combater o mal. Para que o pranto se encerre.
Para que todas as pessoas se tornassem boas e tivessem paz, soltou seu canto da garganta e se transformou num sabiá. Parede de barro não iria prendê-la. Então, voou o sabiá e foi cantar pelos sete cantos a esperança de um mundo novo. Foi viver para cantar, e cantar para viver, sua sina verde-amarela como a bananeira.
Quando veio de Minas, trouxe amor como bagagem em um peito só. Cheio de promessa.
Sabiou sua voz de ouro na maravilha da aquarela que surgiu com a natureza sorrindo, tingindo. O céu abraçou a terra e deu vitalidade às flores. Cantou como é grande e bonita a natureza no florescer dos jardins a esbanjar poesia. Bamboleou em seu balaio os frutos da terra.
Rainha mãe do mato. Irmã da bandeira que, no resplendor da densa mata, se perdeu e se encontrou. Foi como flecha no mato bravio. Seu canto correu veredas e buritizais, do sertão à mata virgem, com o vento que rola nas palmas. Sua sede dos rios, beira-riachos, também nos fez ouvir o mar em revolta que canta na areia. Maré cheia que só serenou quando ela pisou na beira da praia.
Mãe gentil de todo o povo desta terra que, quando pode cantar, canta de dor. Foi índio guerreiro, quilombola de Palmares e Inconfidente mineiro contra a tirania do açoite. Entoou o canto das três raças que ecoou pelo Brasil mestiço, santuário da fé.
Pediu benção à Mãe África. Mãe preta que nos amamentou no som que a todo povo embala. Batuques vindos do tempo da senzala. De quando o negro chegava fechado em gaiola, trazido por navios negreiros, do solo africano para o torrão brasileiro.
Amarrou os chocalhos na canela no fuzuê do jogo de Angola. Se embolou no tambor de Luanda, no maculelê, no lundu, no jongo e no caxambu. No maracatu, fez louvação à rainha festa para os reis negros Ilu Ayê.
Personificou o misticismo sob as bênçãos do Bonfim. Trouxe coisas da Bahia nas canções que cantou com seus penduricalhos e balangandãs. No rufar dos tambores nos deu de seu axé. Ressoaram sua fé ao pai maior em pontos de umbanda de Oxalá e nos rituais de candomblé.
Foi deusa dos orixás. Mineira-sereia da coroa de areia, da areia de ouro, que tocou o agogô de afoxé. Dançou Ijexá saravado no gongá do povo de Zambi. Senhora das candeias, sua música é magia de um banho de manjericão vindo de lá da Aruanda de Sindorerê. Curimba de filha de Ogum com Iansã.
Ouviu a encantaria dos batuques que vieram de longe, soprado do alto dos morros. Ê favela... És o berço do samba. Quanto tempo importante ela passou por aí. Mangueira, celeiro de bambas. Serrinha, império do samba...
Deusa do samba. Do samba verdadeiro, sem cambalacho. Samba-que-samba no bole-que-bole. Que rebola no balacobaco dos bambambães. Samba rasgado. Samba dolente de sambista que vive eternamente no coração da gente.
Quando sambou, o frio sentiu seu calor e o samba se esquentou. Quebrou o salto da sandália no clube do samba. Chorou de alegria nos chorinhos. Sorriu de nostalgia nas marchas-rancho. Entre palhaços e pierrôs, sempre foi a preferida.
Imortalizou sambas de enredo de tantos pavilhões, de tantas cores. E nunca vimos coisa mais bela quando ela pisava a passarela, sob as asas da águia altaneira, desfilando na avenida de azul e branco. Não há e nem pode haver visão igual. Majestosa dona do carnaval.
Seu grito raro, sua voz potente, é um farol guiado ao alento do trabalhador. Revela a leveza de um povo sofrido, de rara beleza, que vive cantando. Povo de profunda grandeza em sua força de expressão.
O amor intransigente pelo canto cantado dos versos mais puros, valentes e seguros, dos filhos do mundo. Dos sem eira nem beira. Dos que o sapato já furou e a roupa já rasgou. Dos que falam pouco e acertado, mas se fazem compreender. Do sertanejo e seus segredos de quem não teve o prazer de aprender a ler. Dos retirantes viajados num pau-de-arara que só traziam a coragem e a cara.
Cantou o pescador sem medo. Os pregoeiros, as feiras e as humildes vendinhas nos cantos das ruas. O sanfoneiro da gota serena que, num forró da muléstia, fazia floreio pra gente dançar o coco rodado.
As quituteiras com seus bolos de milho, broas, cocadas, rapaduras e pés-de-moleque. Suas panelas de barro que, guisando uma galinha à cabidela, nos convidam para um peixe com coco regado a muita pinga danada vinda do alambique. Iguarias de fazer qualquer cristão afrouxar a correia.
Valorizou a simplicidade generosa de uma gente tão honesta que, sempre em um clima de festa nas suas casinhas modestas, lembravam os tempos de criança da cidadezinha onde nasceu.
Mineira guerreira que cantou o guerreiro.
Ao ir embora deste mundo de ilusão, foi morar no infinito pra virar constelação. Repousar nas maravilhas diferentes. Par além do luar onde moram as estrelas. Quem te viu sorrir não há de te ver chorar. Mas és imortal. Teu canto ecoa noite e dia. É voz geral.
Está vendo só o jeito que tudo ficou por causa de você? As coisas mais simples que você tocou acenderam o coração do povo. Sua memória é preservada ma singeleza acolhedora de Caetanópolis, no seio fraterno de Mariquita. E o povo continua na rua cantando. Como fiéis, feito uma reza, um ritual, te homenageando e te escolhendo como a preferida. São todos seus filhos neste mundo, ouvindo e entoando seus ensinamentos. Por causa de você, clara claridade em nossas almas, o amor será eterno novamente.
Carnavalesco Jack Vasconcelos
Dei um aperto de saudade no meu tamborim. Se nessa vida tudo passa, ela não passou. Minha musa, minha lira, minha doce inspiração, minha morena enfeitada de rosas e rendas. Abre o pano do passado. Mostre que seu encanto é uma coisa natural, pois seu sorriso de moça tem um mistério que bate no coração da gente e tem o dom de encantar.
Vocês querem saber quem ela é? Ela é a tal mineira...
No Cedro Pequenino, tecido interior das Gerais, a noite emprestou as estrelas bordadas de prata. O céu prateado deixou o sol vir dourar os cabelos da aurora num lindo alvorecer. Raiou. Resplandeceu. Iluminou. As violas enfeitadas de fitas da Folia de Reis entoam cantos de alegria e liberdade para anunciar que a estrela-guia vai romper. Alguém no povo vai nascer.
Deixa clarear, seu Mané Serrador, que dona Amélia está sentindo a luz de um santo! Trovador errante do reisado. Talhador da esperança que aparece desse canto bonito vindo da alvorada. Faça de nossa bandeira, seu divino manto! De nossa coroa reluzente, todo ouro sobre o azul na procissão do samba!
O nosso tempo de chorar vai se acabar. A minha gente não vai mais andar falando de lado e olhando pro chão. Iluminando os caminhos tão sem vida, o anjo moreno há de chegar aos corações.
O povo até pensou que já era feliz. Pra todo mundo pareceu que um ser de luz nasceu.
Clara mensageira da música. Ela não é de brincadeira. É continuação do poder da criação. Seu canto tem força de oração. Missão que desafia o poder da ciência para combater o mal. Para que o pranto se encerre.
Para que todas as pessoas se tornassem boas e tivessem paz, soltou seu canto da garganta e se transformou num sabiá. Parede de barro não iria prendê-la. Então, voou o sabiá e foi cantar pelos sete cantos a esperança de um mundo novo. Foi viver para cantar, e cantar para viver, sua sina verde-amarela como a bananeira.
Quando veio de Minas, trouxe amor como bagagem em um peito só. Cheio de promessa.
Sabiou sua voz de ouro na maravilha da aquarela que surgiu com a natureza sorrindo, tingindo. O céu abraçou a terra e deu vitalidade às flores. Cantou como é grande e bonita a natureza no florescer dos jardins a esbanjar poesia. Bamboleou em seu balaio os frutos da terra.
Rainha mãe do mato. Irmã da bandeira que, no resplendor da densa mata, se perdeu e se encontrou. Foi como flecha no mato bravio. Seu canto correu veredas e buritizais, do sertão à mata virgem, com o vento que rola nas palmas. Sua sede dos rios, beira-riachos, também nos fez ouvir o mar em revolta que canta na areia. Maré cheia que só serenou quando ela pisou na beira da praia.
Mãe gentil de todo o povo desta terra que, quando pode cantar, canta de dor. Foi índio guerreiro, quilombola de Palmares e Inconfidente mineiro contra a tirania do açoite. Entoou o canto das três raças que ecoou pelo Brasil mestiço, santuário da fé.
Pediu benção à Mãe África. Mãe preta que nos amamentou no som que a todo povo embala. Batuques vindos do tempo da senzala. De quando o negro chegava fechado em gaiola, trazido por navios negreiros, do solo africano para o torrão brasileiro.
Amarrou os chocalhos na canela no fuzuê do jogo de Angola. Se embolou no tambor de Luanda, no maculelê, no lundu, no jongo e no caxambu. No maracatu, fez louvação à rainha festa para os reis negros Ilu Ayê.
Personificou o misticismo sob as bênçãos do Bonfim. Trouxe coisas da Bahia nas canções que cantou com seus penduricalhos e balangandãs. No rufar dos tambores nos deu de seu axé. Ressoaram sua fé ao pai maior em pontos de umbanda de Oxalá e nos rituais de candomblé.
Foi deusa dos orixás. Mineira-sereia da coroa de areia, da areia de ouro, que tocou o agogô de afoxé. Dançou Ijexá saravado no gongá do povo de Zambi. Senhora das candeias, sua música é magia de um banho de manjericão vindo de lá da Aruanda de Sindorerê. Curimba de filha de Ogum com Iansã.
Ouviu a encantaria dos batuques que vieram de longe, soprado do alto dos morros. Ê favela... És o berço do samba. Quanto tempo importante ela passou por aí. Mangueira, celeiro de bambas. Serrinha, império do samba...
Deusa do samba. Do samba verdadeiro, sem cambalacho. Samba-que-samba no bole-que-bole. Que rebola no balacobaco dos bambambães. Samba rasgado. Samba dolente de sambista que vive eternamente no coração da gente.
Quando sambou, o frio sentiu seu calor e o samba se esquentou. Quebrou o salto da sandália no clube do samba. Chorou de alegria nos chorinhos. Sorriu de nostalgia nas marchas-rancho. Entre palhaços e pierrôs, sempre foi a preferida.
Imortalizou sambas de enredo de tantos pavilhões, de tantas cores. E nunca vimos coisa mais bela quando ela pisava a passarela, sob as asas da águia altaneira, desfilando na avenida de azul e branco. Não há e nem pode haver visão igual. Majestosa dona do carnaval.
Seu grito raro, sua voz potente, é um farol guiado ao alento do trabalhador. Revela a leveza de um povo sofrido, de rara beleza, que vive cantando. Povo de profunda grandeza em sua força de expressão.
O amor intransigente pelo canto cantado dos versos mais puros, valentes e seguros, dos filhos do mundo. Dos sem eira nem beira. Dos que o sapato já furou e a roupa já rasgou. Dos que falam pouco e acertado, mas se fazem compreender. Do sertanejo e seus segredos de quem não teve o prazer de aprender a ler. Dos retirantes viajados num pau-de-arara que só traziam a coragem e a cara.
Cantou o pescador sem medo. Os pregoeiros, as feiras e as humildes vendinhas nos cantos das ruas. O sanfoneiro da gota serena que, num forró da muléstia, fazia floreio pra gente dançar o coco rodado.
As quituteiras com seus bolos de milho, broas, cocadas, rapaduras e pés-de-moleque. Suas panelas de barro que, guisando uma galinha à cabidela, nos convidam para um peixe com coco regado a muita pinga danada vinda do alambique. Iguarias de fazer qualquer cristão afrouxar a correia.
Valorizou a simplicidade generosa de uma gente tão honesta que, sempre em um clima de festa nas suas casinhas modestas, lembravam os tempos de criança da cidadezinha onde nasceu.
Mineira guerreira que cantou o guerreiro.
Ao ir embora deste mundo de ilusão, foi morar no infinito pra virar constelação. Repousar nas maravilhas diferentes. Par além do luar onde moram as estrelas. Quem te viu sorrir não há de te ver chorar. Mas és imortal. Teu canto ecoa noite e dia. É voz geral.
Está vendo só o jeito que tudo ficou por causa de você? As coisas mais simples que você tocou acenderam o coração do povo. Sua memória é preservada ma singeleza acolhedora de Caetanópolis, no seio fraterno de Mariquita. E o povo continua na rua cantando. Como fiéis, feito uma reza, um ritual, te homenageando e te escolhendo como a preferida. São todos seus filhos neste mundo, ouvindo e entoando seus ensinamentos. Por causa de você, clara claridade em nossas almas, o amor será eterno novamente.
Carnavalesco Jack Vasconcelos
Coisa Lindaaaaaaaaaaaaaaaa.....texto maravilhoso..Parabensss!!
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